A paz irá visita-lo
Nisso não há professor, não há aluno, não há lider, não há guru,
não há mestre, não há salvador.
Você mesmo é o professor, o aluno, você é o mestre,
você é o guru, você é o lider, você é tudo.
Jiddu Krishnamurti
Muitos de nós estamos vivendo um tempo de opressão. As notícias desanimadoras em tantos aspectos somente ampliam o grau da angústia existencial que passamos. Não suportamos mais nossas rotinas. Nossos trabalhos. É comum não suportarmos nossas relações, apesar de também não suportarmos a solidão. Queremos dinheiro, e adoecemos em busca dele. Na falta, ficamos igualmente doentes. Queremos espiritualidade, mas não acreditamos nos mestres, nas religiões, e nem em nós mesmos. Estamos como doidos correndo atrás de algo – seja um bem material, uma posição social, um lugar elevado na nossa crença espiritual, na vã esperança de vivermos melhor, mais felizes, em paz.
Isso é importante em determinado momento da nossa vida. Mas quando alguém que se coloca a caminho de autoconhecer-se, mais cedo ou mais tarde chega à conclusão que grande parte da agonia deve-se principalmente aos seus próprios pensamentos e as ações que toma no mundo, determinadas por crenças instaladas – e que irremediavelmente, não o leva rumo à paz que tanto almeja. Afinal, quem olha para o mundo externo ou para o mundo interno, coloca um peso, uma medida, e julga o mundo e a si como sendo bom ou mau, somos nós mesmos. Através de pensamentos, crenças aprendidas, adquiridas, você está sempre em guerra. Por exemplo, um terrorista olha um ataque terrorista com satisfação. Ensinaram ele assim. Já um parente de uma vítima do terrorismo olha para a mesma coisa com raiva, ódio, mágoa, dor… Dois lados antagônicos, presos numa situação de dor e violência.
Da mesma forma, olhamos para nós. Alguém ensinou que determinada atitude era errada. Um vício, por exemplo. E quando cedemos ao vício, uma parte de nós gosta, porque sente prazer. E outra parte odeia, porque foi ensinada que esse vício é ruim. Não presta. Dois lados antagônicos, presos numa situação de dor e violência. Você continua em guerra.
Se você notar, agimos desta forma em tudo. Rotulamos algo bom e algo ruim, queremos eliminar uma coisa, e ficar com outra. E isso causa profundo estresse interior. Isso provoca a energia do conflito e da violência, dentro de nós. Que quando estimulada por algum acontecimento externo, pode se manifestar. Já vi pessoas saírem do sério e iniciarem conflitos dentro de um ambiente monástico, por exemplo.
Então, se o primeiro passo é entender que sua agonia deve-se a pensamentos e crenças, o segundo passo do buscador é perceber que não adianta tentar eliminar um pensamento ruim, para ficar somente com um bom pensamento. Nossa mente não aceita isso. Pensamentos bons e ruins passam pela mente ininterruptamente. Fazendo com que, muitas vezes, tomemos atitudes que podem provocar dor em nós e em outros. Assim é o ser humano.
Nem bom, nem ruim
Se você olhar com atenção, perceberá que todos os seus pensamentos foram instalados “dentro da sua mente” por alguém, que inclusive os rotulou: isso é bom. Isso é ruim. Isso é aceitável. Isso é abominável. Porém, antes dos seus pensamentos serem instalados, sua mente possuía uma saudável inocência. Você olhava para as coisas, e a maior parte destas coisas não o afetava. Você tocava nas suas partes genitais, por exemplo, e sentia-se bem. Até o dia em que mamãe lhe disse que isso era indecente. Você sentia prazer em simples e pequenas coisas. E esqueceu-se disso.
Não há outra forma, querido: um terceiro passo é refugiar-se nesta “parte” da mente imaculada, que está em você, apesar dos seus pensamentos barulhentos. Não é necessário modificar nada: basta perceber que, atrás dos pensamentos, existe um campo vasto, infinito, de paz, equilíbrio, presença, integração. Atrás de todas as ideias implantadas em sua mente, incluindo as ideias que dizem respeito à sua personalidade, suas características físicas, morais, mentais, espirituais… incluindo traumas, medos, sentimentos que você não tem a menor noção de quando foram implantados… tudo isso são como folhas voando ao vento, nos campos do Senhor. Sem levar a sério os pensamentos, acaba-se a comparação, o julgamento, a crítica. Desta forma, acaba-se a resistência. Acabando a resistência, estabelece-se a paz.
Acione o seu poder observador
Alguns buscadores acreditam que esse estado de paz e bem-aventurança é exclusivo de pessoas iluminadas, seres altamente espirituais. Isso não é a realidade. Qualquer pessoa que se colocar amorosamente a investigar sua própria mente, mais cedo ou mais tarde perceberá este espaço vazio como sendo inerente a todos e a tudo. Ele sempre esteve ali, e em algum momento, você o percebe! E sente benefício instantâneo ao conectar-se.
Isso pode ser agora! Experimente deixar os pensamentos passarem! Não resista a eles… mas também, não se apegue a eles…
Talvez você já tenha percebido este estado mais de uma vez. Muitas vezes, uma situação externa o faz ingressar neste plano pacífico, vasto, amoroso: por exemplo, uma contemplação na montanha. Um banho numa cachoeira. Um mergulho. Um vôo. Um trabalho introspectivo. Uma música. Dirigindo seu carro. O grande truque é não entrar em comparação, julgamento. Tipo: nossa! Que sensação maravilhosa! Que tudo! Ou: que horror! Minha mente não para! Porque aí você entrou novamente em no reino mental. Mas se entrou, não tem problema. Basta respirar, e deixar os pensamentos passarem. Não é uma questão de acalmar a mente. É uma questão pura e lógica de observar que você existe, apesar da mente barulhenta. Além da mente. Junto à ela.
Isso pode ser agora! Experimente deixar os pensamentos passarem! Não resista a eles… mas também, não se apegue a eles…
Neste estado, onde estão os problemas? Onde estão os conflitos? Onde estão os vícios? As doenças? Você está consciente de tudo, porém, aos poucos, começa a adquirir uma outra característica mental – a consciência, que sabe o que é do reino mental, e sabe qual é a sua própria essência. E vagarosamente, vai percebendo este espaço como se estivesse se ampliando. Mais e mais. Isso é só uma ideia, porque este espaço não se amplia. Ele já é infinito. Você é parte dele, e ele é parte de você. Neste lugar, cessam-se as divisões. Mas digo isso porque, muitas vezes, a mente entrará no processo. E você retorna ao barulho. Às vezes você irá se perder nas neuras, nas emoções distorcidas, nos hábitos destrutivos, outra vez.
Mas tudo bem. Isso faz parte. Retorne. Retorne. Retorne. Respire um pouco. Amorosamente. Não resista à nada. Somente observe. A paz irá visita-lo.