Como se conectar com o cliente individual na terapia de constelação familiar sistêmica
Acabo de terminar uma série de dois encontros, falando sobre Atendimento Individual em Constelação Familiar Sistêmica. Uma turma em São Paulo, outra em Brasília. E por isso, o assunto está “fresquinho” na minha cabeça. Então, vamos conversar um pouco sobre esta questão – a empatia dentro do consultório, que talvez aflija as pessoas que irão atender um cliente individual, e não tem experiência.
Em primeiro lugar, quero falar de “acompanhar o cliente”, ou seja, estabelecer uma relação de confiança, de afinidade, empatia. Quando podemos estabelecer uma relação de confiança com alguém? Quando percebemos que não seremos “atacado” pelo outro. Que ele não nos machucará. Mas vamos pensar o seguinte: uma pessoa entra num consultório terapêutico, com certeza, com inúmeras feridas, e uma forte tendência a não olhá-las de forma clara, objetiva. Como uma criança que possui uma ferida, ela pode querer se proteger, com medo da dor que pode vir quando fazemos a assepsia.
Para podermos “acompanhar” o cliente neste processo, portanto, é evidente que devemos nos colocar no lugar desta pessoa que deseja se proteger, e tem medo da dor que possa vir, emocionalmente, energeticamente ou até através da quebra de crenças, dentro de um trabalho de constelação sistêmica. E é lógico que eu, como terapeuta, só conseguirei verdadeiramente me colocar no lugar desta pessoa se também sei me colocar no lugar de alguém que permite ser ajudado por outro, num trabalho terapêutico. Se permito que alguém cuide de minhas feridas, de minhas dores emocionais, das minhas crenças distorcidas (É! Terapeuta também tem suas dores, traumas e neuras!). E que aprendeu a lidar, por experiência própria, até com o medo da dor que possa surgir neste processo. Assim, eu, como terapeuta, saberei lidar com tato, amorosidade e, ao mesmo tempo, firmeza necessária, durante o processo terapêutico.
Muitas pessoas que estudam técnicas terapêuticas, não estão abertas totalmente para acessar suas próprias dores emocionais. Não confiam em alguém. Estes futuros terapeutas trabalharão com o coração desconectado do cliente, pois têm medo de acessar seus próprios sentimentos. Imagine então o “cliente comum”, cujo trabalho não é ser terapeuta? Falo isso não como crítica, mas como evidência. Todos nós, em algum grau, passamos por esta fase. Geralmente temos que enfrentar problemas profundos em nossa vida, até que verdadeiramente nos entreguemos aos cuidados de alguém. Eu fui (e sou ainda em algum nível) assim.
Nosso ego só se rende aos cuidados, quando não vê mais saída. Antes, ele sempre acha que sabe o caminho, sabe a resposta… E muitos dos nossos clientes chegarão até o nosso consultório ainda nesta fase: enxergam o problema (ou acham que enxergam), sentem o incômodo, mas ainda acham que podem resolver. Outros, enxergam o problema (ou acham que enxergam), sentem o incômodo, e querem que você resolva por eles. Ou que a terapia provoque o milagre de fazer o sofrimento e o problema desaparecerem. Ficar do jeito como eles acham que seria melhor. Um terceiro time, este sim, vem pronto para “se entregar” ao trabalho, e aceitar até que doa… que a solução se mostre do jeito que for… estas pessoas confiam. Entendem qual é o problema ou permitem que o terapeuta auxilie a encontrar o fio que será puxado, e a partir daí, desencadeará um processo desconhecido, oculto, afinal, não é possível saber exatamente onde a constelação familiar sistêmica irá atuar e em que área da vida do cliente ela irá afetar.
Não ouvir a mente, acompanhar as sensações
Seguindo os ensinamentos de Bert Hellinger, devemos entender que só podemos trabalhar com pessoas que se colocam a disposição. Que já se encontram prontas para ouvir, aceitar, permitir que o terapeuta faça o que achar necessário. Então, nos primeiros exemplos acima, em relação aos clientes que ainda não chegaram no nível da confiança mínima necessário, a constelação não deverá ser feita.
Vimos, ao vivo e em cores, no último seminário de Hellinger aqui no Brasil, no mês de agosto, que muitos não conseguiam chegar na questão. Alguns não confiavam nem nas orientações dadas pelo mestre. Vários eram terapeutas de constelação. Todos eles se perdendo em justificativas racionais, alguns muito hábeis nisso, outros não… E ele não prosseguia.
Mas algumas pessoas estão querendo entrar no processo, querem confiar, embora também estejam acostumadas a se defender. Estas podem ser trabalhadas. Porque embora exista um lado que teme, existe outro lado que confia. Então começa a “dança” do acompanhamento.
Vejo que a maior dificuldade das pessoas que estão estudando a facilitação da constelação familiar sistêmica, é saber atuar neste jogo do ego, que brinca eternamente de esconde-esconde, evitando que as dores mais profundas sejam acessadas. E o instrumento que o ego se utiliza é a racionalização e a “emocionalização”. Explicam tudo. Contam histórias. Entram na confusão. Ou no vitimismo. Disparam emoções superficiais. Encantam. Usam brincadeiras. Confrontam. Fazem de tudo para não acessar a raiz.
A única forma do terapeuta lidar com isso, é aprendendo a não entrar nas histórias. No vitimismo. Nas brincadeiras. No encantamento. No confronto. No discurso. Na confusão. Mas entendendo, amorosamente, que o cliente é assim. Entendendo o jogo. De certa forma, permitindo que este jogo exista. Afinal, todos nós jogamos o mesmo jogo, não é mesmo? Apenas que, na hora da terapia, não podemos. Você, terapeuta de constelação, precisa aprender a deixar as palavras passarem, para “ouvir” o que há por detrás dela. Sei que, para pessoas que nunca meditaram, nunca observaram a mente, pessoas que adoram a própria racionalidade, acreditam nas próprias neuras que são contadas anos a fio, isso será mais difícil. Talvez nem entendam o que estou falando. Mas é assim…
Quando deixamos tudo passar – palavras, impressões emocionais, lágrimas, gritos, piadas, conceitos, loucura… começamos a perceber que existe um padrão na fala do cliente. Às vezes sentimos que algo está sendo excluído. Às vezes entramos em contato com imagens, frases, sons, dentro de nós… Sentimos o ambiente mudando – o ar fica mais pesado, menos pesado… Nossos músculos tencionam, relaxam. Surgem arrepios. Parece que o ar esfria. Ou esquenta…
Destas percepções, surgem frases. Surgem considerações. Surgem comandos. Às vezes você interrompe a fala do cliente e pontua algo. Não vem da mente racional. Vem de outro lugar. Tanto que, geralmente, você nem se lembra do que foi falado. Você se conectou com o sistema maior, que inclui o seu cliente, o pai dele, a mãe dele, os antepassados, a história, o oculto…
Neste momento, você pode começar a constelação… E mergulhar no sistema familiar. Facilitando o sistema a mostrar aquilo ou aqueles que se encontram excluídos. Para que possam descansar em paz, e o cliente prosseguir vivendo.
Foto: Rômulo Monte Fainbaun
Amigo convidado: Fernando Tassinari