O lado bom de ser criticado
Recentemente, recebi uma crítica que me fez pensar: o que realmente é verdade nesta crítica? O que é viagem? Como posso lidar bem com a crítica, e fazê-la algo bom para mim e para os outros?
Fato é: nunca lidei bem com críticas, e por isso mesmo, este é um assunto extremamente relevante para mim. E vejo, através do meu trabalho ensinando constelação familiar e também atendendo meus clientes em terapia, que é um assunto quase que universal. A dificuldade de olhar para as críticas de forma construtiva e madura. Você já percebeu como que modificamos nosso comportamento, exatamente para nos proteger dos julgamentos, comparações, opiniões e maldades do outro? Vou dar alguns exemplos:
– você se torna bonzinho (sei bem como é isso!), agradável, sorri fácil e se mostra dócil e inofensivo. Tipo o gatinho do Shrek – quem irá fazer mal diante de tão inofensivo ser? (que você sabe não ser!!!)
– você se torna malzinho, crítico, uma mala sem alças, que espana a qualquer palavra do outro. Ninguém terá saco de afrontá-lo, e se algum incauto o fizer, levará no meio da fuça!
– você vira o perfeccionista: é tão, mas tão, mas tãoooo bom naquilo que faz, que não sobra um milímetro de espaço para críticas, opiniões, melhorias.
– você preenche todo o espaço com a sua comunicação: fala demais, ri demais, conta causos demais, fala de toda a sua sabedoria, é simpático ao extremo, seduz os outros, que ficam olhando para você como um cachorro faminto olha uma peça de carne pendurada no churrasco grego… todos hipnotizados. (Este é o meu preferido!)
– por último (poderia dar mais um monte de exemplos), você se esconde, se anula, busca se parecer um pouco pior que o último pedaço do cocô do cavalo do bandido – assim ninguém poderá falar nada de você. Afinal, você já é nada!
Claro! Estou falando com humor de assuntos que são muito, muito dolorosos! Não estou brincando quando falo da minha dificuldade de lidar com as críticas. Talvez, a única diferença é que, sendo um buscador ensandecido, passada a sensação da porrada na boca do estômago que uma palavra mal dita provoca, parto em busca da resposta: de onde vem esta dor? Por que dói tanto, afinal, o outro nem sabia exatamente o que estava falando!
A dor vem do passado
Todas as estratégias que coloquei acima são defesas. Defesas que vamos construindo, ano a ano, como forma de não mais sermos atingidos pelas dores das críticas, comparações, julgamentos, punições e humilhações que vivemos na infância. Somos seres humanos, e precisamos nos sentir pertencentes ao nosso grupo de origem: a família que nos criou. E por isso, somos extremamente sensíveis a qualquer palavra – ou crítica silenciosa, que diga algo assim: do jeito que você faz, não está correto. Isso pode vir em formas de gritos e pancadarias, mas também em forma de conselhos aparentemente “sábios” e sensatos. Talvez piadinhas. Ou tratamento desigual entre irmãos: uns são enaltecidos, outros, ignorados. A criança simplesmente entende: do jeito como sou, não pertenço. Outra tradução para “não pertencer”: eles não me amam porque sou assim.
Daí, para a culpa, é um pulinho. Não sou amado porque sou ou ajo errado. E da culpa para a raiva, é mais um passinho: eu odeio eles por não me amarem. Eu também me odeio porque sou errado e eles não me amam!
O ego da vítima sofredora começa a se cristalizar
Tudo isso se passa a partir dos primeiros anos de vida. Um mecanismo muito importante que a constelação familiar explica, se dá, concomitantemente a este padrão: conforme vamos nos sentindo não adequados, toda a amargura, sensação de tristeza por não ser aceito, inibição da criatividade e espontaneidade, raiva, etc., nos une aos excluídos do passado familiar. Carregamos em nossos genes as histórias e emoções vividas por toda a nossa ancestralidade. E a dor abre as portas para nos identificarmos com histórias e pessoas que foram esquecidas ou deixadas de lado, pessoas que nem temos conhecimento: aquele tio alcoólatra, o bisavô fracassado, a noiva esquecida do papai, o aborto não falado da mamãe, a bisavó que foi prostituta, o tio-avô corrupto e assassino, e assim por diante. Personagens e histórias que foram apagadas do livro tradição-família-propriedade, por não serem adequadas.
É como se um personagem sofredor, não aceito, começasse a ganhar corpo dentro de nós: sim, eu não presto! Sim, eles não me amam! Sim, o que faço não tem valor! Sim, o outro é melhor! Sim, nunca serei aprovado!
A união da psique infantil ferida com a identificação com o excluído do passado familiar fará um estrago na sua vida, pois você adotará um comportamento na sua vida baseado nestas dores, que podemos resumir em dois (que são os dois comportamentos básicos de quando nos sentimos acuados):
– a agressão (vou provar a eles o meu valor, eles vão ter que me engolir, vou despejar todo o meu ódio e raiva através da minha expressão, vou manipular a todos – pois não confio em ninguém, vou dar certo de qualquer jeito, o céu é o meu limite…)
– a fuga (vou ser bonzinho, serei agradável com todos, farei o que todos querem, serei perfeccionista, vou me esconder e não mostrar meus dons, me viciarei e mostrarei o quanto sou um fracasso, não vou me mostrar ao mundo, vou entrar em depressão…)
Crescendo com a crítica
Bem… ao receber a crítica que me fez pensar… refleti: vou analisar parte a parte desta crítica, e fazer disso algo bom para o meu desenvolvimento pessoal, emocional e espiritual. Então, a primeira coisa que preciso fazer é: abandonar o ego da vítima sofredora e seu padrão normal de comportamento. No meu caso, o padrão de quando me sinto criticado é contra-atacar. Desmoralizar aquele que me criticou. Jogá-lo no chão e pisar em sua cabeça. Não através de golpes de judô, mas através de argumentos inteligentes e desmoralizantes. Como disse no parágrafo acima, agressão e fuga são os comportamentos básicos de todo animal que se sente acuado, e não tenha dúvida: você utiliza os dois comportamentos na sua vida, o tempo todo, se você está identificado com o ego ferido. Você ataca e foge, o tempo todo!
Mas vem comigo: você não está sendo atacado quando alguém lhe critica (pelo menos, na maioria das vezes). Você simplesmente acessa momentos de desvalidação da sua infância, e também acessa sua identificação inconsciente com algum excluído do seu sistema familiar. São fantasmas, não são fatos verdadeiros. A dor é lembrança de algo passado. Portanto, será necessário você dizer para a sua vítima interior: agora, quem manda aqui sou eu! Você está demitida!
Primeiro passo: desidentifique-se da vítima sofredora que você mantém viva em si
O segundo passo, que não é tão simples: aprenda, de uma vez por todas, a lidar com os sentimentos, emoções e imagens que chegam, quando você acessa a dor de ser criticado. Pode ter certeza: é muito forte este processo. Só para você ter ideia, vou lhe falar o que ocorre em mim, quando acesso esta dor: ódio! Muito ódio! Tenho vontade de assassinar alguém! Dá enjôo. Também culpa. Medo. Vontade de me esconder. Sinto o impulso de largar tudo o que faço e sumir! Houve tempo que partia para a bebida. Acho que tudo o que fiz foi uma bosta. E em outros momentos, acho que todos são uma bosta! Lembro de diversos momentos em que fui humilhado, na infância. Enfim, é um retrato do inferno. O meu inferno interior.
Seja lá o que surgir em você, respire! Peça proteção àquilo que você acredita espiritual na sua vida, e não aja. Simplesmente, respire. Embora sejam tudo impulsos vindos de situações passadas, a impressão que dá é que são reais. Muito reais. Respire mais uma vez. Não faça nada. Entenda que esta é a reação da sua vítima sofredora interior.
Segundo passo: peça proteção e guiança espiritual e entre em contato com os sentimentos, imagens e emoções que surgem, quando você se vê criticado
Se você sentir muita dificuldade em relação ao passo anterior, procure ajuda de um especialista, para auxiliar neste processo. Serão necessários muitos meses, talvez anos, indo passinho a passinho, andando nesta senda do autoconhecimento e abertura da compaixão por si mesmo. Carregamos em nós imagens do céu e do inferno, como diz o mestre da constelação Bert Hellinger. E olha: temos muito prazer em recriar em nossa vida as imagens do inferno, pode ter certeza! Deixar a vítima que tão carinhosamente cuidamos décadas da nossa existência, é um processo gradual, lento, cíclico. Mas finalmente, você percebe que este eu sofredor começa a ceder. Lembre-se: ele só existe porque você precisou dele para se defender das humilhações e dores do passado. Seu passado e o passado dos excluídos da sua família, que tão carinhosamente você está identificado.
Aí, finalmente, um horizonte aberto começa a se mostrar. É muito louco, querido: você olha para as críticas e para quem o criticou com profundo sentimento de gratidão. Você sente em si a não necessidade de atacar ou fugir, como antes, e toda a energia que você desperdiçava tentando provar ao mundo que você é uma vítima sofredora, neste momento, fica a disposição para você simplesmente ser quem você é. Em posse desta energia, você começa a transmitir ao mundo a sabedoria que flui através de si, em prol do desenvolvimento humano, material e espiritual do outro. Você simplesmente está desarmado, e mostra o seu brilho e sua luz, naturalmente, a todos, indistintamente.
Terceiro passo: em posse da energia vital reequilibrada, grato pela vida e por tudo o que viveu (incluindo críticas e críticos), você se mostra um canal de sabedoria, compaixão e amor
Estes passos não são lineares. Você não sai do quilômetro 0 e chega ao quilômetro 100, e acabou! É uma aproximação e um afastamento destas compreensões. É preciso viver a experiência e permitir-se ser desafiado no dia-a-dia, através da convivência, aprovações, desaprovações e críticas que você enfrenta do seu namorado, sua família, seu chefe, professor, guia espiritual, amigos e da própria consciência. Em alguma fase da sua vida, você está trabalhando a sua expressão autêntica e amorosa, e em outra fase, você está novamente se defendendo das dores, se escondendo ou tentando provar ao mundo o seu valor.
Se eu pudesse dar um conselho, diria: se mostre! Coloque aquilo que você tem a disposição do outro. Porque será através da ação, e não da compreensão racional, que se dará o processo da purificação do seu ego vítima-sofredor, e ao mesmo tempo, do ressurgimento do melhor que você é – e você talvez tenha se esquecido. O seu ser, tal qual uma flor em botão, é belo, essencialmente puro, espontâneo e pronto para levar alegria, paz, prazer, diversão, cura, beleza e encantamento ao outro. Quando percebemos o botão da nossa flor se abrindo, não são os outros os primeiros beneficiados: somos nós, que ficamos embasbacados diante de tanta beleza e poder que o universo dispôs, gratuitamente, em nossas mãos. E sem dúvida, neste sagrado instante de compreensão profunda, dizemos, com os joelhos jogados na terra e a cabeça inclinada em devoção: grato a tudo o que vivi! Grato a absolutamente tudo o que eu vivi e vivo!
Cara, uma última palavra: quando você sentir dor ao ser criticado, justa ou injustamente, por outro ou por você mesmo, lembre-se que esta é a dor do parto. O seu botão de flor está se abrindo! Respire! Entre em contato com a dor, não fuja. Cuide com amor do seu próprio processo. A gratidão chegará. Pode crer nisso…
Alex Possato