O que o Caminho de Santiago me ensinou sobre parceria e confiança numa mulher
Acabo de realizar o Caminho de Santiago com minha parceira, companheira, amiga, amada, amante. Embora tudo tenha ocorrido de maneira adequada, confesso que foi um grande desafio me render ao fato de que eu teria alguém para caminhar ao meu lado, já que a ideia inicial era trilhá-lo sozinho. Isso há dez anos atrás, quando ainda estava em outro relacionamento, e me via como um solitário caminhante, perdido em suas próprias neuras.
Por que não fazer o caminho acompanhado? Logo eu percebi que tinha medo. Medo de perder minha individualidade. Medo de ver-me prisioneiro, dentro de uma relação. Medo de viver novamente as dores de algo que se foi, em outra relação. Mais fácil ficar só, não é?
Todo mundo que já viveu rompimentos de relação, sabe o quanto é difícil lidar com isso. O quanto não confiamos no outro, após termos feito de tudo – pelo menos é o que pensamos – para que a relação ficasse confortável. Mais um motivo para eu acreditar que o meu caminho deveria ser a só. Mas existem certas coisas na vida onde a cabeça, com os milhares de traumas inconscientes que ela carrega, não manda. Um caminho de vida já está marcado para acontecer, e somente o nosso coração pode dar indícios de como ele será.
E o meu coração sempre falou: existe alguém com quem você poderá compartilhar muitos e muitos caminhos, aprendendo a desarmar-se, confiar, abrir-se ao amor. Mal sabia eu que o Caminho de Santiago seria um mágico movimento, sabiamente orquestrado, para que eu soubesse me entregar a este amor, e principalmente, reaprender a confiar numa mulher. Talvez você teve uma ou várias desilusões em relacionamentos, e também queira reaprender a confiar em alguém. É lógico que não posso ensiná-lo como fazer isso. Mas posso deixar algumas brincadeiras para pensar, da minha própria experiência, utilizando as lições que o Caminho de Santiago me ensinou sobre parceria e confiança numa mulher. Vamos lá?
– o sonho precisa ser dos dois. Como saber isso? Sabendo qual é o seu sonho. E perguntando qual o sonho dela. Se o sonho é de um só, realize-o sozinho. E deixe o outro escolher o próprio caminho;
– se o sonho é conjunto, é necessário dar o tempo correto para que ele possa acontecer. Assim como um filho nasce após 9 meses de gestação, um sonho tem o tempo dele para acontecer. Isso não depende dela. Nem de você. O sonho tem vida própria;
– os sonhos mais malucos, quando feitos com consciência e planejamento, são saudáveis e trazem benefícios a todos. Os sonhos inconsequentes trazem sofrimento, bagunça, embora sejam úteis como aprendizado… Não há certo ou errado, mas se você quer sofrer menos, seria importante saber qual via está pegando – lembrando que consequente ou inconsequente é um conceito muito particular;
– toda ação leva a uma reação. Se você semeia organização, paciência e rotina, colherá frutos, no tempo correto. Se você semeia desorganização, impaciência e impulsividade, colherá sementes incompletas, que não puderam germinar completamente;
– o Caminho é o mesmo para todos. Talvez a pessoa que está ao seu lado agora, não poderá completar o caminho. Talvez você não possa completar o caminho. Vocês se afastarão, e encontrarão outros companheiros. As coisas são como elas são, e você aprenderá com qualquer que seja a situação. Aprenda a deixar as pessoas livres, quer elas estejam andando ao seu lado ou não, e o sofrimento não existirá, caso alguém fique para trás;
– em liberdade, talvez você veja, se não estiver com os olhos fechados, que alguém escolheu andar junto com você. E você está junto a ela. Não é necessário forçar, insistir, manipular. Ambos caminham, porque assim o Caminho deseja. Seria até uma boa ideia dizer a ela: que bom ter você ao meu lado!;
– mesmo juntos, você estará sempre só. Esta é a suprema incongruência do relacionamento. Estará consigo mesmo. Com suas loucuras, desejos, impulsos, compreensões. E ela também estará no momento dela. Com as loucuras dela. O caminho se anda individualmente, embora possa parecer conjunto;
– por isso, é importante aprender a se revelar. O que se passa na sua cabeça? Quais suas expectativas? Quais suas broncas? Quais seus elogios? O Caminho deseja o silêncio, mas a palavra usada para esclarecer, trazer luz, é sempre bem-vinda. Sem paz interior, não existe silêncio. Duas pessoas sem paz interior e de boca fechada são um convite para a guerra;
– em algum momento, você perceberá que as suas neuras não tem importância. Você perde tempo demais ruminando os problemas que somente a sua cabeça vê, e deixa de ver que, ao seu lado, existe alguém que, muitas vezes, está precisando do seu ombro e silêncio;
– se você não tem este ombro, tudo bem. Aceite que você é humano. E também aceite que ela não poderá lhe amparar todo o tempo que a sua mente carente deseja. Embora você não tenha se dado conta, ela também é humana!
– quem disse que o homem é mais forte que a mulher? Quem disse que ser mais rápido é uma qualidade melhor que a vagarosa constância? Você sabia que o homem vive menos que a mulher?
– quem disse que a criatividade e a intuição são melhores que o planejamento e o pensamento linear? E quem disse o contrário? O Caminho lhe diz quando usar a intuição, e quando é necessário saber exatamente o que se quer, e planejar para conseguir isso. Se o Caminho está traçado – e isto é um fato – para que tanta criatividade em querer inventar novos caminhos? E se o Caminho não vai mudar de lugar, para que tanta pressa e neura em planejamento? Planejamento e intuição andam lado a lado. Ação e descanso se complementam;
Por fim…
– você viu as flores do caminho e os pássaros cantando alegremente?
– o que acha de dar uma destas flores à ela? E convidá-la para dançar?