Por Alex Possato

O verdadeiro Amor na relação afetiva

amor verdadeiro

 

No começo é um tesão! O outro é maravilhoso. Um ser perfeito que Deus colocou no seu caminho. A saudade parece corroer as entranhas; é quase impossível passar mais de 24 horas sem vê-lo. E o encontro? Ahhhh… o encontro é uma explosão de prazer e gozo, saudade e alegria, renovação e encantamento.

Mas os meses passam. E assim como o café vai sendo esquecido sobre a mesa, sem ser tomado, porque “preciso correr para o trabalho”, aquilo que era quente e amistoso, passa a ser frio e sem graça como o leite que esfriou, criou nata e uma crosta de gordura na caneca,  difícil de ser removida. Por que é tão complicado manter um nível de satisfação elevado numa relação mais duradoura? Porque aquele “néctar dos deuses” se transforma num duro e sem graça pão do dia seguinte? Como reacender o interesse por alguém que amamos, mas não sentimos mais o mesmo tesão do começo da relação?

Dura missão falar sobre isso! Mas é um tema que tem estado recorrente nos papos com amigos. Nas conversas com minha parceira. Nos atendimentos terapêuticos que realizo. E falando seriamente, não sei qual a linha de raciocínio vou seguir. Vou deixar a intuição me guiar, porque é um assunto que, embora eu tenha várias teorias sobre… estou aprendendo na prática, com a minha experiência, como transitar do estado de encantamento de uma relação no começo para o aprofundamento de uma relação com compromisso. E como ultrapassar os eventuais perrengues pelos quais passamos, ao longo dos anos, dormindo com a mesma pessoa ao lado.

Tão logo o compromisso se instala, os padrões antigos se repetem

Passada a fase do “amor I love you”, e principalmente, quando nos comprometemos, um com o outro, a construir uma relação duradoura, vamos ver padrões antigos se manifestando na nossa forma de agir com o outro. Sem perceber, é comum entrarmos num papel de qualquer coisa, menos verdadeiros companheiros. Por exemplo:

– viramos papai da companheira, e começamos a achar que temos que protege-la, orientá-la, dar bronca e pagar sorvetes e a entrada no parque de diversões;

– viramos mamãe do companheiro, e nos mostramos cuidadora, censora, vigiamos o boletim escolar e as mensagens de whatsapp, criticamos a roupa que ele veste e os modos como ele se porta com os outros, damos remedinho e tratamos quando ele ou ela estão dodói;

– em outros momentos, somos o conselheiro dele ou dela, e começamos a orientá-lo como se portar no trabalho, na família, nas amizades. Motivamos ele(a) para a vida, damos livros geniais, indicamos filmes e cursos, sempre com o intuito de melhorá-la(o). Pois do jeito que o traste está, não vai dar certo;

– em alguns casos, somos o liberal: tudo tá bom, fingimos não ver nada, não cobrar nada, permitir que o outro seja como é, mas no fundo, temos muito medo do compromisso, e estamos inconscientemente torcendo que ele vá embora. Afinal, já sabemos que “iremos ser abandonados”. E também, tanto faz: ele não era tudo isso e eu arrumo outro!

Eu poderia ficar falando de padrões de comportamento em casais que massacram, oprimem, amarram, seduzem, etc., até amanhã. Ou depois de amanhã. Mas o padrão em si não é o importante neste momento. Queria que você analisasse a si mesmo, e pensasse nestas duas perguntas:

Por medo de perde-lo(a), o que eu faço? Prendo ou abandono? Seduzo ou chantageio? Fico em cima ou dou espaço? Viro professor ou cuidador? Adoeço ou mostro-me mais poderoso que o outro?

Por medo de perder minha liberdade, o que eu faço? Busco ocupações externas? Dou escapadas? Dou um “perdido”? Mostro-me o “fodão” e não permito ver minha rotina invadida? Trabalho demais ou me ocupo com a família e outras pessoas?

 

Olhando para minha forma de proceder, vejo que o jogo se mostra dos dois jeitos: tanto tenho medo de ser abandonado, como também tenho medo de perder minha liberdade. E sinto a mesma coisa vindo da parceira. Filosofando um pouquinho, parece que vivemos um modelo de tensão natural, que põem a prova a energia mais fundamental atuando no masculino e feminino: a liberdade e a união. O ficar e o partir. O prender e o soltar.

Homens e mulheres se digladiam porque não sabem lidar com estas duas forças poderosas e aparentemente antagônicas:  a liberdade e a união.

Saindo dos padrões emocionais dolorosos e indo além

Seremos provocados muitas vezes em situações onde sentimos que iremos ser abandonados ou aprisionados. Por exemplo:

  • Excesso de trabalho
  • Gravidez ou dedicação aos filhos
  • Doenças pessoais (físicas ou emocionais) ou da família
  • Viagens longas
  • Dedicação à família de origem
  • Foco nos estudos ou cursos
  • Uso do tempo com amigos e hobbies
  • Cuidados com obras, construção, patrimônio, dívidas

Inevitavelmente, nestes momentos as emoções inconscientes virão à tona. Se por algum motivo, tenho marcas doloridas de abandono dentro de mim, ao menor sinal que a companheira está se dedicando a outra coisa que não sou eu, somente eu, totalmente eu, irei espanar. No momento em que ela se dedica demais no trabalho, ou aos filhos, ou na casa da família, ou ainda em viagens, estudo, etc., vou surtar. Sapatear sobre a mesa de jantar. Cair na cama com febre de quarenta graus. Ter uma ataque de fúria e quebrar todos os discos do É o Tcham dela.

Agora… se eu estou do outro lado, e sou a pessoa que está em busca de sentir-se livre, indo para a vida, saindo para fazer as próprias coisas, cuidando dos próprios assuntos, e vejo o companheiro fazendo de tudo para prender-me, eu também começarei a espanar. A dar distância. A fechar as pernas e evitar o sexo. A intimidade. A exagerar mais e mais no estar fora de casa, não importa os motivos. A humilhá-lo e fazer coisas que nos afastará, um do outro. E ainda irei justificar: é para o seu bem! Para você crescer, meu amorrrr!

Da mesma forma, esta pessoa que necessita a liberdade extrema, também tem dores inconscientes de ter estado aprisionada por alguma relação tóxica. Mesmo que ela não tenha lembranças, afinal, os traumas podem ser transgeracionais, quer dizer, vindos do pai, mãe, avós e antepassados. São memórias antigas que despertam padrões de dor. E carregamos sem saber.

Esta fase de lidar com dores inconscientes é inevitável. Seremos desafiados em uma ou várias relações afetivas. Temos que passar por isso, mesmo sendo tão desagradável. Não dá para avançarmos no autoconhecimento que uma relação propicia, sem desprogramarmos os padrões reativos que carregamos dentro de nós. Sem olhar para o ódio que temos do feminino e masculino. Das prisões e abandonos que nos habitam. E olhar para as consequências que estas dores causam na nossa autoestima e capacidade de expressar nossa verdadeira, pura e espontânea beleza.

Chegará um momento em que teremos certeza absoluta de que jamais seremos abandonados, e também jamais seremos aprisionados. Porque a sensação de ser abandonado ou aprisionado é uma neurose. Não é realidade. As pessoas vêm e vão. Nascem e morrem. As relações começam e terminam. Assim é a vida. Da mesma forma, vivemos sempre com pessoas. E a sensação de estar preso ou livre é porque permitimos viver jogos nas relações. E os jogos podem mudar as regras. Podemos fazer regras muito agradáveis. Baseadas na alegria e no prazer. E não na manipulação e sofrimento.

O verdadeiro Amor na relação afetiva

Olho para as relações afetivas como material de escola. Sempre que minha companheira me desperta alguma sensação de abandono ou aprisionamento, me pergunto: qual dor antiga, dentro de mim, está sendo provocada? O que devo aprender com esta dor?

Por exemplo, às vezes, a minha amada aquariana está livre e solta por aí, cuidando dos seus próprios assuntos. E eu, um canceriano tosco e caseiro, fico achando que o lar e o coração estão vazios. Logo, vem o abandonado interior gritar. E enquanto ele grita, evito a primeira tentação de taxar: ela é a culpada! Olho para minha dor. Relembro quantas e quantas vezes me senti abandonado na infância. Literalmente. Abandonado por pai, mãe, irmãos, avós. Sozinho e entregue às minhas próprias dores, que eu adorava ruminar. E vou além: sim, existe um abandonado em mim! Isso não vai mudar! Você, criança carente interior, faz parte! E eu te vejo…

Desta forma, entro em contato com o fantasma do abandono, que não tem realidade no aqui e agora. Aprendo a acolher partes de mim, que eu mesmo abandonava. E tudo isso, graças à sensação de que minha parceira não está cuidando de mim. Aí, quando estamos novamente juntos, olho-a com verdadeiro ar de gratidão. Sincera. Profunda.

Em outros momentos, me sinto tolhido na minha expressão. Acho que estou sendo aprisionado por ela, e não posso fazer o que desejo. Mesmo quando faço, é como se houvesse um sentimento de culpa permeando o ato. Quantas vezes não estou totalmente presente nas coisas que faço, quando estou longe de casa, porque parece que deveria estar com ela. Vivo o outro lado: aquele que está abandonando. E deixo de viver plenamente o momento de liberdade, fora da relação. Lógico: se pergunto a ela, em geral está tudo bem estar longe. E às vezes também não, mas aí, é o problema dela, e não o meu.

Investigando a raiz disso tudo, é a mesma coisa. É uma grande neurose. Não tem realidade. Temos uma relação honesta, onde às vezes estamos juntos, às vezes estamos separados. E cada um está buscando suas próprias coisas. As sensações emocionais pesadas não têm a menor verdade. Ao perceber a culpa, o medo, a angústia que vem quando estou longe, trato da mesma forma: vejo vocês. Vocês fazem parte. Eu cuido de vocês. Ela, minha parceira, não tem nada a ver com isso.

E assim, quando estamos juntos, novamente, posso olhá-la amorosamente. Entendendo o quanto é profundo ter alguém para me despertar estes trabalhos interiores e que é o instrumento do meu desenvolvimento espiritual.

Quando percebemos que realmente o outro é um instrumento divino, colocado no nosso caminho para mostrar a nossa capacidade de amar, além das dores, sentimos o verdadeiro Amor se mostrar. Não o amor da paixão, que é químico: mas o Amor do coração, que é uma conexão muito mais profunda, duradoura, abrangente. Ao acessar este Amor, não há mais personalização. Não amamos especificamente nosso parceiro, mas Amamos. Amamos o todo. Amamos a nós, nossas dores e nossos dons. Amamos o companheiro atual e todos os anteriores. Pois somos um só. Vivenciar este Amor tem o poder de dissolver a sensação de separação que o Ego criou. Que lindo, não?

Neste Amor, a liberdade vive em união. O antagonismo desaparece. E o medo se dissolve.

Alex Possato

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