Um caminho de pedras ou flores
A jornada do Caminho de Santiago mal começou. São muitos e muitos quilômetros para ficar só, com meu corpo e minha mente. Lógico que tenho uma boa companhia, a Luciana. E também centenas de outros peregrinos do mundo inteiro, todos no mesmo intuito de chegar à Santiago de Compostela. Conheci um americano que busca, aparentemente, performance. Consegue realizar cada trecho em metade do tempo que nós, pessoas mortais. Um brasileiro quer o desafio. Mas nas paradas, a ideia é arrumar uma mulher para dormir. Como tudo aquilo que focamos e agimos com estratégia, acontece, tenho certeza que em breve seu sonho erótico se realizará. Vejo casais, da mesma idade que eu e Luciana, pessoas mais idosas, sós ou em grupo, um pai e mãe com seu bebê, num carrinho adaptado para trecking, meninos e meninas que vieram se divertir, e talvez um ou outro com objetivo espiritual.
Aí eu me pergunto: O que eu estou fazendo aqui? Qual foi o chamado que ouvi, lá nos idos de 2000, quando o Diário de um Mago me inspirou a fazer esta jornada?
Dois trechos percorridos, algumas dezenas de quilômetros depois, não posso precisar. Passo por uma fase profunda de transformação pessoal. Sempre persegui o sonho da liberdade. Do bem estar. Da prosperidade. Da vida alegre. E também tenho que dizer que, por mais que eu tivesse liberdade, bem estar, prosperidade, vida alegre, não soube aproveitar.
Vejo no caminho, que a questão não é ter ou não ter liberdade. Prazer. Dinheiro. Saúde. A felicidade não está nas coisas que ansiamos, nem no afastamento daquilo que repelimos. Passo por paisagens belíssimas, mas às vezes a tendinite que começa a atacar os joelhos e tornozelos, a dor atroz na panturrilha e músculos adutores, o vento que chega a deslocar o nosso corpo alguns metros, impedindo uma caminhada ereta e tranquila, transforma a mente num vespeiro insandecido. Onde está a beleza? Outras vezes, eu estou bem, mas fico imaginando se minha companheira está bem… Onde está a paz? Percebo outros caminhantes com bastante dificuldade. E outros com enorme facilidade, como quem anda por uma esteira ergométrica. Os que estão bem fisicamente, estão bem, mentalmente? E aqueles que estão com dores insuportáveis, como eu estive em alguns momentos, podem estar com a mente tranquila?
O inferno está em ficar preso às definições do que é belo, do que é saudável, do que é adequado… E a partir disso, combater o que é feio, insalubre, inadequado… Sim, meu corpo dói… E daí? Minha mente é confusa e inconstante. E daí? Em algum cantinho, bem quietinho, há um espaço sagrado de silêncio e paz… que não depende do meu querer ou não querer, fazer ou não fazer. Que posso acessar em qualquer instante, esteja eu andando entre flores, ou pisando pesadamente na lama… Creio que esta é a paz, que está acessível a qualquer um, em qualquer caminho do mundo… Aí, pedras ou flores são somente detalhes que enfeitam um caminhar rico de experiências e vida vibrante…
(Estou neste momento fazendo o Caminho de Santiago de Compostela, e irei compartilhar sempre que possível, meus devaneios, maluquices e visões que surgirem! Buen camino!)